A
indústria de produtos de higiene e limpeza movimenta cifras
consideráveis, não só no Brasil como no mundo. A necessidade de
assepsia e asseio pessoal já foi a principal força motriz desta
indústria. Hoje, os efeitos cosméticos destes produtos competem
pelo centro das atenções.
Neste
artigo, veremos como os sabões e detergentes são sintetizados, como
removem a sujeira, principalmente a gordura, e o conceito de
detergentes biodegradáveis.
Sabões
A
manufatura do sabão constitui uma das sínteses químicas mais
antigas; menos antiga, entretanto, que a produção do álcool
etílico utilizado nas bebidas - os anseios de limpeza do homem são,
na verdade, muito mais recentes que seus desejos de estímulo
alcoólico. Ao ferverem o sebo de cabra com a lexívia potássica
feita com as cinzas de madeira, as tribos germânicas, contemporâneas
de César, realizaram a mesma reação química que o processo
moderno de fabricação de sabão: a hidrólise de glicerídios. A
reação dá origem aos sais de ácidos carboxílicos e ao glicerol:
O sabão
comum que utilizamos atualmente é simplesmente uma mistura de sais
de sódio ou potássio de ácidos graxos de cadeia longa. É uma
mistura porque a gordura a partir da qual é preparado é constituída
de uma mistura de ácidos graxos, mas que é tão eficiente para
lavagem quanto um sal puro.
As
características do sabão podem variar de acordo com a composição
e segundo o método de fabricação: se preparado a partir do azeite
de oliva, recebe o nome de sabão de Marselha; pode-se
adicionar álcool durante o processo de fabricação para torná-lo
transparente; por agitação, pode-se incorporar ar, fornecendo-lhe a
propriedade de flutuar; podem-se adicionar perfumes, corantes e
germicidas; se for utilizado o hidróxido de potássio na síntese
(ao invés do de sódio), tem-se o sabão mole. Entretanto,
quimicamente o sabão permanece exatamente o mesmo, atuando do mesmo
modo.
À
primeira vista, pode-se ter a impressão de que estes sais são
solúveis em água; de fato, podem-se preparar as chamadas "soluções
da sabão". Elas não são, entretanto, verdadeiras soluções,
onde as moléculas do soluto movem-se livremente entre as moléculas
do solvente. Verifica-se, na realidade, que o sabão se dispersa em
agregados esféricos denominados micelas, cada uma das quais pode
conter centenas de moléculas de sabão.
Uma
molécula de sabão tem uma extremidade polar, -COO-Na+,
e uma parte não polar, constituída por uma longa cadeia alquílica,
normalmente com 12 a 18 carbonos. A extremidade polar é solúvel em
água (hidrófila - que tem afinidade por água). A parte
apolar é insolúvel em água, e denomina-se hidrófoba (ou
lipófila - que tem aversão por água e afinidade por óleos e
gorduras), mas é evidentemente solúvel em solventes apolares.
Moléculas que têm extremidades polares e apolares e, além disso,
são suficientemente grandes para que cada extremidade apresente um
comportamento próprio relativo à solubilidade em diversos solventes
denominam-se anfipáticas.
De
acordo com a regra "polar dissolve polar; apolar dissolve
apolar", cada extremidade apolar procura um ambiente apolar. Em
meio aquoso, o único ambiente deste tipo existente são as partes
apolares das outras moléculas do sabão, e assim elas se agregam
umas às outras no interior da micela. As extremidades polares
projetam-se da periferia dos agregados para o interior do solvente
polar, a água. Os grupos carboxilatos carregados negativamente
alinham-se à superfície das micelas, rodeados por uma atmosfera
iônica constituída pelos cátions do sal. As micelas mantém-se
dispersas devido à repulsão entre as cargas de mesmo sinal das
respectivas superfícies.
Uma micela pode conter centenas de moléculas de sais de ácidos graxos
Ainda
resta, entretanto, uma questão cabal a responder: como o sabão
remove a gordura, sendo feito dela? O problema na lavagem pelo sabão
está na gordura e óleo que constitui ou que existe na sujeira.
Apenas a água não é capaz de de dissolver as gorduras, por serem
hidrofóbicas; as gotas de óleo, por exemplo, em contato com
a água, tendem a coalescer (aglutinar-se umas às outras), formando
uma camada aquosa e outra oleosa. A presença do sabão, entretanto,
altera este sistema. As partes apolares das moléculas do sabão
dissolvem-se nas gotículas do óleo, ficando as extremidades de
carboxilatos imersas na fase aquosa circundante. A repulsão entre as
cargas do mesmo sinal impede as gotículas de óleo de coalescerem.
Forma-se, então, uma emulsão estável de óleo em água que é
facilmente removida da superfície que se pretende limpar (por
agitação, ação mecânica, etc.). Deste modo, sabões atuam, no
processo de limpeza, como surfactantes - compostos com ação ativa
em superfícies ou interfaces de substâncias.
A
chamada água dura contém sais de cálcio e magnésio que
reagem com o sabão formando carboxilatos de cálcio e magnésio
insolúveis. Você nota que a água de uma determinada região é
dura quando forma-se uma crosta nas bordas do recipiente que continha
o sabão ou quando, ao tomar banho ou lavar as mãos, sente que uma
fina película permanece sobre sua pele. Águas subterrâneas são,
via de regra, ricas em cálcio e magnésio e, portanto, duras.
Detergentes
À
partir dos ácidos graxos das gorduras também é possível, à
partir de vias sintéticas características, obterem-se álcoois
primários. Entre os álcoois primários de cadeia linear que se
obtém das gorduras - ou de outros modos - os de C8 e C10
são utilizados na produção de ésteres de alto ponto de ebulição,
usados como plastificantes (como por exemplo, o ftalato de octila).
Os álcoois de C12 a C18 são utilizados em
quantidades enormes na manufatura de detergentes (produtos
tensoativos para limpeza).
Embora
os detergentes sintéticos difiram significativamente uns dos outros
quanto a estrutura química, as moléculas de todos têm uma
característica em comum, também apresentada pelas de sabão comum:
são anfipáticas, com uma parte apolar muito grande, de natureza de
hidrocarboneto, solúvel em óleo, e uma extremidade polar, solúvel
em água. Um tipo deles resulta da conversão dos álcoois de C12
a C18 em sais de hidrogenosulfato de alquila. Por exemplo:
Neste
sal, a parte apolar é a longa cadeia alquílica e a parte polar é a
ponta -SOO3-Na+.
Diferentemente
dos sabões, os detergentes podem ser não-iônicos. Pelo tratamento
dos álcoois com óxido de etileno, obtém-se um deles:
A
possibilidade de formação de pontes de hidrogênio entre as
moléculas da água e os numerosos átomos de oxigênio do etoxilato
tornam a parte terminal de poliéter solúvel em água. Os etoxilatos
também podem ser convertidos em sulfatos, sendo utilizados na forma
de sais de sódio.
Os sais
de sódio dos ácidos alquilbenzeno-sulfônicos são os detergentes
mais utilizados. Para obtenção destes detergentes, liga-se
primeiramente o grupo alquil de cadeia longa a um anel benzênico
pela utilização de um haleto de alquila, de um alceno ou de um
álcool conjuntamente com um catalisador de Friedel-Crafts (AlCl3);
em seguida, efetua-se a sulfonação e, finalmente, a neutralização:
reação de alquilação por adição nucleofílica aromática em haleto de alquila
Mecanismo da reação de sulfonação
O
primeiro passo, em que se forma o trióxido de enxofre (SO3),
eletrofílico, é simplesmente um equilíbrio ácido-base entre duas
moléculas de ácido sulfúrico. Na sulfonação utiliza-se
geralmente o ácido sulfúrico fumegante, ou seja, aquele onde é
dissolvido excesso de SO3; mesmo quando utiliza-se apenas
ácido sulfúrico, crê-se que o SO3 formado no passo (1)
possa ser o eletrófilo.
No passo
(2) o reagente eletrofílico, SO3, liga-se ao anel
benzênico com formação de um carbocátion intermediário. Embora o
trióxido de enxofre não tenha cargas positivas, tem deficiência de
elétrons (carga parcial positiva) sobre o átomo de enxofre, pois os
três átomos de oxigênio, mais eletronegativos, retiram-lhe
elétrons por indução.
Na
terceira etapa o carbocátion cede um próton para o ânion HSO4-
e forma o produto de substituição estabilizado por ressonância que
é, desta vez, um ânion - o do ácido benzeno-sulfônico; este
ácido, por ser forte, encontra-se altamente ionizado (na etapa 4, o
equilíbrio está muito deslocado para a esquerda).
Com
alguns substratos aromáticos e certos acidulantes, o eletrófilo
pode ser HSO3+ ou moléculas que possam
facilmente transferir SO3 ou HSO3+
para o anel aromático.
A
conclusão da síntese do detergente dá-se pela neutralização do
ácido benzenosulfônico, formando o sal hidrosolúvel.
Neutralização do ácido benzenosulfônico.
Até há
algum tempo atrás, utilizava-se vulgarmente o propileno para a
síntese destes alquilbenzeno-sulfonatos. A cadeia lateral altamente
ramificada impedia a degradação biológica do detergente. Na
maioria dos países industrializados, estes detergentes vêm sendo
substituídos por outros biodegradáveis desde 1965. São sulfatos de
alquila, etoxilatos e respectivos sulfatos, e alquilbenzenosulfonatos
em que o grupo fenila fixa-se ao acaso a qualquer das diversas
posições secundárias da longa cadeia alifática linear (C12-C18).
As cadeias laterais destes alquilbenzeno-sulfonatos lineares obtém-se
de 1-alcenos de cadeia linear ou de alcanos de cadeia contínua
clorados, separados do ceroseno por formação de clatratos (peneiras
moleculares).
Estes
detergentes atuam essencialmente da mesma maneira que o sabão. A sua
utilização oferece, entretanto, certas vantagens. Por exemplo, os
sulfatos e sulfonatos mantém-se eficazes em água dura devido ao
fato de os correspondentes sais de cálcio e magnésio serem
solúveis. Visto serem sais de ácidos fortes, produzem soluções
neutras, ao contrário dos sabões que, por serem sais de ácidos
fracos, originam soluções levemente alcalinas.